Sunday, July 21, 2019

Sobre o direito de matar e o veganismo

Para você que gosta de comer carne e fica incomodado com  a superioridade moral dos veganos, a qual é um fato, a qual realmente existe, posso lhe dizer uma coisa que talvez o tranquilize um pouco: sob determinadas condições não é antiético comer alimentos de origem animal. Sim, você tem o direito moral de matar, e pode exercê-lo com gosto, com tranquilidade.

Há seres que sofrem (sencientes) e que não tem o direito à vida: não faz sentido ético que o tenham. Talvez somente alguns primatas e cetáceos devam ter o direito à vida. Isso quer dizer que podemos matar a maioria dos seres sencientes para sobrevivermos ou satisfazermos nossas necessidades e desejos. 

Mas não podemos torturá-los, prolongar seu sofrimento. Não podemos, por exemplo, criá-los em espaços minúsculos, insalubres, em ambientes que no final das contas são torturantes. Isso é impor-lhes uma vida miserável, extremamente sofrida. 

Que os métodos de criação se tornem menos sofridos e mais próximos do ambiente natural desses animais, e que o abate seja rápido e, na medida do possível, indolor. É isso. Podemos matar dezenas de bilhões de animais, como já o fazemos todos os anos. Só não podemos torturá-los, que é o que infelizmente ainda ocorre, devido principalmente às formas de criação e abate.

Matar não é necessariamente antiético. É muitas vezes um dever, uma necessidade. Antiético é fazer sofrer, ou permitir o sofrimento, sendo que isso poderia ser evitado.

O sofrimento é um valor? - André Comte-Sponville

"Assalta-me uma dúvida: o sofrimento é, então, um valor?

Não, é claro, tomado em si mesmo, ou então apenas negativo: o sofrimento é um mal, e seria um engano ver nele uma redenção. Mas, embora o sofrimento não seja um valor, toda vida sofrida, sim, o é, pelo amor que exige ou merece: amar quem sofre (a caridade dos cristãos, a compaixão dos budistas, a commiseratio dos spinozistas...) é mais importante do que amar o que é belo ou grande, e o valor nada mais é do que o que merece ser amado."

André Comte-Sponville, em "Pequeno tratado das grandes virtudes"

Compaixão pelos animais não-humanos

Então você fica super revoltado(a) quando vem a saber que cães são sacrificados com sedativos (eutanasiados) nos núcleos de zoonoses porque foram abandonados nas ruas e não encontraram ninguém para adotá-los, mas você come frangos quase todos os dias. Esse frango no seu prato, querido(a), teve uma vida horrivelmente sofrida e foi morto sem tanto zelo ou compaixão como esses cães. Então engula sua revoltinha junto com seu franguinho, tá bom?

Edu compadecido

O realismo de alguns sonhos é impressionante. 

Sonhei com meu irmão, morto há 15 anos, chorando muito sofridamente por compaixão à minha mãe, em 1956 – 14 anos antes dele mesmo ter nascido. E nesse ano, em 1956, ela tinha 9 anos de idade. 

Tinha perdido o pai no ano anterior e trabalhava como empregada doméstica em troca somente de comida (escrava doméstica, convenhamos).

Pior, o sofrimento dele, por compaixão ao sofrimento dela, em 1956, 14 anos antes dele nascer, era maior do que o sofrimento dela aos 9 anos de idade, enfrentando o mundo sozinha e trabalhando em troca somente de comida.

E eu no sonho, com compaixão dele, faço um pouco o papel de advogado do diabo, tentando convencê-lo de que aquela criança tenha sido talvez uma criança feliz.

Isso tudo, para ser acordado, no meio da madrugada e, um minuto depois, me dar conta de que esse meu irmão, tão absurdamente presente nesse sonho, não existe mais. Se foi desse mundo, definitivamente triste e por conta própria, há 15 anos...

Anteontem ele estaria completando 43 anos de idade.

Janeiro de 2013

A compaixão - André Comte-Sponville

Gosto muito do que André Comte-Sponville escreve sobre a compaixão, no "Pequeno tratado das grandes virtudes":

“Compartilhar o sofrimento do outro não é aprová-lo nem compartilhar suas razões, boas ou más, para sofrer; é recusar-se a considerar um sofrimento, qualquer que seja, como um fato indiferente, e um ser vivo, qualquer que seja, como coisa. É por isso que, em seu princípio, ela é universal, e tanto mais moral por não se preocupar com a moralidade de seus objetos – e é aí que ela leva à misericórdia. É sempre a mesma assimetria entre prazer e sofrimento. Simpatizar com o prazer do torturador, com sua alegria má, é compartilhar sua culpa. Mas ter compaixão por seu sofrimento ou por sua loucura, por tanto ódio nele, tanta tristeza, tanta miséria, é ser inocente do mal que o corrói, e recusar-se, pelo menos, a somar ódio ao ódio. Compaixão de Cristo por seus carrascos; de Buda pelos maus. Esses exemplos nos esmagam? Por sua elevação, sem dúvida, mas é assim que a percebemos. A compaixão é o contrário da crueldade, que se regozija com o sofrimento do outro, e do egoísmo, que não se preocupa com ele. Tão certamente quanto esses são dois defeitos, a compaixão é uma qualidade. Uma virtude? O Oriente (em especial o Oriente budista) responde que sim, e a maior de todas, talvez.”