O livro "Em busca de sentido", de Viktor Frankl, é um texto redundante em relação à alegação de que é necessário haver um sentido na vida, de que a vida pode estar muito ruim, por exemplo, contudo, havendo sentido, haveria motivação para continuar vivendo.
Ele se refere principalmente às experiências que teve quando foi prisioneiro em campos de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial. Relata casos de diversas pessoas que conheceu nesses campos de concentração, e reiteradamente tenta demonstrar que passamos a ter motivação para continuar vivendo e lutando, apesar de todo e qualquer sofrimento, quando sentimos que nossa vida tem uma finalidade, um propósito: um sentido.
Assim, Viktor Frankl criou a logoterapia, que é uma forma de psicoterapia existencial, e isso de certo modo o aproxima dos existencialistas e de concepções, por exemplo, como a de que estamos sempre escolhendo, de que estamos condenados sempre a escolher.
Nessa perspectiva é comum a valorização das idiossincrasias, da individualidade, das diferenças que sempre irão existir entre as pessoas, para se afirmar o primado da liberdade. Essa concepção de que estamos condenados à liberdade, a sempre escolher, vai até mesmo ao limite de alegar que durante, por exemplo, uma sessão de tortura, alguns cederiam, e delatariam seus companheiros, e outros, apesar de todas as condições e sofrimentos impostos, não.
Para esta concepção estamos então sempre fazendo escolhas, porque, no limite, em situações bastante extremas, como numa tortura, por exemplo, alguns torturados escolhem se render, enquanto outros fariam a escolha de jamais se render, e de que essa seria a liberdade fundamental, da qual não há como abrir mão.
Estaríamos sempre escolhendo porque somos seres conscientes de nossa própria existência e finitude. A consciência reflexiva seria o que nos condena à liberdade.
Uma crítica, geralmente feita a esta concepção, é a de que não somos somente consciência. Somos também coisa.
Do outro lado encontramos outra posição, que é a do determinismo, inclusive a do determinismo científico. Nesse sentido, nosso comportamento de escolher existe mas, para melhor compreendermos esse comportamento de escolha, temos de recorrer aos determinantes desse comportamento. Alegar que é o próprio sujeito quem escolhe é simplesmente recorrer a uma explicação circular, a uma falsa explicação.
Pessoalmente penso que para uma psicoterapia isso é absolutamente desastroso. Porque, se em nosso trabalho como psicoterapeutas desejamos que nossos pacientes passem a fazer escolhas diferentes, não basta simplesmente dizermos a eles que precisam escolher algo diferente, porque se, assim como todas as pessoas, esses pacientes estão condenados à liberdade, depende somente deles o ato de fazer uma escolha diferente. Nesse tipo de concepção a escolha é algo que se origina no próprio indivíduo.
Ou seja: há aí uma concepção de que as ações humanas têm origem nos indivíduos. Há um completo desprezo pela princípio lógico, básico, da razão suficiente. Porque para uma psicoterapia é importante saber por que um indivíduo escolhe x e o outro escolhe y, ou por que o mesmo indivíduo escolhe x e, em um contexto diferente, escolhe y.
É importante que um psicoterapeuta tenha consciência de que existem condições que facilitam algumas escolhas, que que seu esforço junto a seus pacientes deve ser sempre o de procurar compreender melhor quais são essas condições específicas, inclusive para cada caso que está acompanhando, em suas especificidades e idiossincrasias.
Viktor Frankl parece dar um pequeno passo adiante, quando propõe o sentido como um fator de motivação para que as pessoas passem a fazer escolhas mais saudáveis. Contudo ele somente se mantém em uma espécie de pregação, na qual reiteradamente afirma que é necessário ter um propósito, um sentido. Nesse livro não há qualquer tipo de enfatização em relação aos procedimentos necessários para que as pessoas encontrem sentido em suas vidas. Porque a principal questão, no final das contas, é sobre como as pessoas irão encontrar sentido. O que, de modo geral, faz uma vida ter sentido? Como cada pessoa, em suas especificidades, em sua individualidade, irá encontrar sentido?
Para a primeira questão já existem respostas que são fruto de pesquisa científica. Uma vida passa a ter sentido quando existe bem-estar geral, quando há saúde, pelo menos em termos psicológicos.
Alguém pode até objetar que Viktor Frankl está também se referindo a pessoas com a saúde física completamente comprometida, como era o caso de muitos prisioneiros em campos de concentração que, apesar de todas essas condições adversas, conseguiram encontrar um sentido para a sua vida. Sim, isso é possível. E atualmente a ciência já descobrirlu, em boa medida, quais são os fatores envolvidos nessa equação.
Os dados do "Grant Study", por exemplo, que é a pesquisa sobre bem-estar humano maior e mais longa já feita na história, demonstram que o principal determinante do bem-estar humano diz a respeito a bons vínculos sociais e afetivos. Então atualmente temos demonstrações muito sólidas de que algumas pessoas, mesmo com boa parte de sua saúde completamente comprometida, podem ter bem-estar psicológico, e sentir que sua vida tem sentido.
Portanto, finalizando, eu gostaria de dizer que, na minha concepção, não faz muito sentido ficar procurando pelo sentido. Simplesmente não é necessária a consciência de que nossa vida tem sentido. Porque a vida de qualquer pessoa, ou animal senciente não-humano, passa a ter sentido a partir do momento em que existem os elementos que produzem pelo menos o bem-estar psicológico, o qual parece compor uma parte fundamental do bem-estar como um todo.
Acreditar que precisamos ter consciência do sentido, para que nossa vida seja uma vida que valha a pena, simplesmente não faz o menor sentido quando pensamos na vida de crianças pequenas, de muitos deficientes mentais ou até mesmo na vida de animais sencientes não-humanos. O sentido é somente um dos efeitos, na percepção de alguns de nós, de uma vida minimamente bem vivida. Se estamos bem, a vida não precisa ter sentido algum. Basta vivê-la.