Mário Quintana
Dizem que  esta frase  é do Quintana. Importa menos  sua  autoria do que  seu  valor  provocativo  e até  esclarecedor . Ela  sugere de fato  algumas verdades  fundamentais  sobre  o que  é o estilo .
É mais  uma deficiência  do que  uma potência . Ter  estilo  é chegar  pela  porta  dos fundos  e sair , com  todos  os louros  e méritos , pela  porta  da frente . É a deficiência  aceita ou  assumida, e transformada em  uma marca  pessoal . É tirar  proveito  de nossos  próprios  defeitos . É saber  perder . Quem  não  sabe perder , está longe  de ter  estilo .
Vem à minha  memória  Bukowski, dizendo que  alguns  cachorros  têm mais  estilo  do que  muitas pessoas . Falta  estilo  a quem  deseja  ser  o que  não  é. Um  modelo  a ser  seguido pode tanto  nos  inspirar  como  expor  essa falta  de autenticidade .
Joel Birman, psicanalista  brasileiro , propõe que  a análise  deve trabalhar  no sentido  da produção  de uma estilística  da existência . Toda  psicoterapia  que  se preze deve contemplar  tal  fato : a transformação de desvios  e falhas  em  marca  pessoal . O defeito  a serviço  de algo  novo  e único . Aquilo  que  nos  distingue como  únicos .
Drummond: “Todo  ser  humano  é um  estranho  ímpar ”. Sim , mas  somente  sob  duas condições : se for observado  bem  de perto , em  detalhes . Percebemos sua  singularidade somente  quando  conhecemos de fato  as pessoas . Ou  quando   é permitido  ao sujeito  ser  quem  ele  é. Se não  se comportar  o tempo  todo  na inútil  busca  de se conformar  perfeitamente  a um  padrão  tirânico . E o ser  humano  é mais  ímpar  ainda  quanto  mais  estilo  tem.
Dali: passou bosta  por  todo  o corpo  e foi até  Gala . Se ela  o aceitasse, apesar  da merda, ficaria com  ela  para  o resto  da vida . Ele  sabia muito  bem  o que  era  estilo . Fazia-se engolir  com  merda e tudo . Ter  estilo  é isto : aceitar  antes  de tudo  a nossa  merda fundamental .
Uma vez  ouvi esta aqui : a melhor  maneira  de levar  a vida  é igual  cavalo  no desfile  de 7 de setembro . Caga e anda , e ainda  recebe aplausos  de todo  mundo . Pra  ter  estilo  tem que  aprender  a cagar  e andar . Saber  que  é impossível  agradar  a todos  ou  ser  amigo  de todo  mundo .
A assertividade está ali , juntinho do estilo . Mas  a humildade  e a desapego  também . No primeiro  caso  é a capacidade  de manter-se firme , digno . Era  a grande  diferença  entre  Romário e a maioria  dos atacantes  que  vi jogando. Errava um  gol  e ficava indiferente , de cabeça  erguida. Não  se deixava abalar  com  as vaias  da torcida . Esperava menos , talvez . Não  tinha  medo  de errar , de perder . Mais  desapegado da vitória . Talvez  pensasse: “Não  fiz agora , mas  daqui a pouco  surge outra  oportunidade ”. Desperdiçava menos  energia  com  lamentações . O estilo  é a beleza  do imperfeito , do tortuoso , refuncionalizado. 
Garrincha era  mais  estilos o do que  Pelé. Pelé era  perfeito , nada  lhe  faltava. Para  ser  estiloso é necessário  faltar  alguma coisa  e daí brotar  a grande  ironia : nossa  incrível  capacidade  de auto-aceitação. É uma receita  de bolo  que  combina auto-aceitação com  assertividade. Ou  seja, deve haver  um  pensamento  mais  ou  menos  assim : certas  coisas  não  podem ser  mudadas e meus  recursos  terão de ser  outros , fora  do padrão . É a capacidade  de se afirmar  pela  diferença . É ser  diferente , não  corresponder  a nenhuma forma  ideal  e, apesar  disso, propor  algo  novo . O estilo  cria  e propõe novas  formas  de ser . Há uma relação  indissolúvel  com  a criatividade .
O respeito  por  nossos  limites  e deficiências  pode demandar  tempo . O processo  de auto-aceitação às vezes  precisa  ir  amadurecendo. É uma certa  boa aceitação  da derrota  e do fracasso . Ou  simplesmente  a falta  de auto-avaliação constante , como  no caso  dos animais  e das crianças . Simplesmente  fazem o que  têm vontade  e espontaneamente. São  mais  impermeáveis  ao massacre  moral .
