E o patriarca, além de forte e grande, era muito severo e bravo. Tinha uma voz muito grave e firme. Era conhecido como o Véio Trovão. Então daí já dá para imaginar o respeito e temor que tínhamos por ele. Aquele filho de italiano era o poderoso chefão.
Quando criança, eu fugia de sua mão pesada e de seus sermões: “Bota mão de homem nisso aí, rapaz!”, fazendo um gesto que ameaçava um safanão na orelha. Bichinho ouvia isso e saia cabisbaixo, com o rabo entre as pernas, para que o velho completasse decentemente o serviço. Era difícil se sentir macho perto do “alfa dominante” (como são chamados os machos dominantes e detentores das fêmeas entre os primatas superiores). Conseguíamos no mínimo não ser nada, passar despercebido, ou ficar mesmo parecendo maricas.
Entretanto, nós, o netos, fomos ficando mais velhos, maiores, mais fortes também, e mais malandros. O capeta do meu irmão mais novo não perdia a oportunidade de rir do avô. Aliás, já fazia isso desde pequeno, e com todo mundo. “Bota mão de macho nisso aí!”, dizia ao velho, pegando-o de surpresa. E o Véio Trovão fitava-o com expressão austera, hesitando entre o riso e o safanão. Todos em volta, por sua vez, não conseguiam deixar de rir da situação. Um olhando feio e ameaçador e o outro com olhar meio risonho de quem se prepara pra levar porrada ou fugir.
Então fui fazer amizade com o Véio Trovão já na maioridade. Perguntava a ele tudo o que podia sobre a história da cidade e do mundo, de como eram as ruas, bairros, o que ainda não existia, os tempos da revolução de 32, da segunda guerra. Enfim, história não faltava e o Véio era bom contador: a voz grave, firme, pausada.
Criava muitos passarinhos. Tinha mais de quarenta gaiolas e alguns viveiros em seu quintal.
“Vô, é verdade que a semente da maconha serve de ração pra passarinho?”
“Serve. Eu dava pros meus canário e eles ficavam afinadinho.”
“Mas essa era uma semente que se plantada, vingava?”
“Vingava. Eu dava muito pros meus passarinho. Tanto que foi caindo no quintal e quando me dei conta, nasceram uns pé. Já tavam bem grande quando um vizinho passou, viu, e disse que isso dava cadeia.
Cortei tudo e botei no varal pra secar.
Quando já tava tudo bem seco, de noite, quando todo mundo já tava dormindo, botei no fogão à lenha”, apontando para o fogão que ainda existia, no fundo do quintal. “A fumaça foi subindo, e eu puxava”, fazendo o gesto de quem aspira profundamente uma fumaça que se eleva aos borbotões.
Fiquei hesitante com o que seria o final dessa história: se faria um sermão conservador, se eu podia continuar perguntando, se me trataria mal. Mas, resolvi arriscar:
“E aí, vô, o que é que deu?”
Sutilmente fechei a guarda, encolhi-me um pouco, como em um impulso de auto-proteção, porque viria uma porrada.
Olhou-me profunda e austeramente. Pensei: estou frito...
Veio então a resposta fatal, com voz grave e enérgica:
“Eu fiquei louco!”