Sunday, May 17, 2020

O direito de matar

Para quem gosta de comer carne e fica incomodado com a superioridade moral dos veganos, a qual é um fato, a qual realmente existe, posso dizer uma coisa, que talvez tranquilize um pouco essas pessoas: sob determinadas condições não é antiético comer alimentos de origem animal. Sim, você tem o direito moral de matar algumas espécies de animais.

Há seres que sofrem (sencientes) que não têm o direito à vida. E não faz sentido ético que o tenham. Porque não possuem um nível de sociabilidade ou consciência reflexiva que justifique isso. Adaptam-se facilmente à ausência de outros de sua própria espécie, que lhe são próximos, e não têm consciência de que são mortais, por exemplo.

Talvez somente alguns primatas e cetáceos devam ter o direito à vida. Cito esses dois grupos de animais, porque estão entre os mais sociais e conscientes de si mesmos e de sua própria finitude. Quando um indivíduo dessas espécies morre geralmente deixa para trás de si um rastro enorme de memórias e sofrimento naqueles que faziam parte de seus círculos sociais ou afetivos.

O direito à vida não serve para proteger, a posteriori, quem vier a falecer. Porque, em tese, depois da morte não existe sofrimento. Não faz sentido lamentar, para o próprio indivíduo, o que ele seria depois de sua morte. Depois que alguém morre não se perde, para si mesmo, nada.

O direito à vida serve para, antecipadamente, proteger os que ficam, e podem sofrer muito em função da perda de um ente querido. Sem o direito à vida há o risco grande de rompimento do tecido social, de desorganização da vida em sociedade, do surgimento do caos.

O direito à vida, portanto, serve para proteger toda a sociedade. Serve para proteger a sociedade como um todo. Ao proteger a vida de indivíduos, protegemos todos, toda a sociedade.

O direito à vida instaura a estabilidade nas relações entre as pessoas e a paz, inibindo inúmeros tipos de sofrimentos, e permitindo assim um melhor planejamento da vida em sociedade.

A vida humana, e de muitas espécies que nos são próximas, em termos do nível de consciência, depende bastante de laços afetivos e sociais. Um ser humano sozinho é, via de regra, um ser humano morto.

A própria existência de nossa espécie depende disso, da vida social e afetiva. A existência de muitas outras espécies não depende disso. Muitos animais vivem tranquilamente, de modo muito saudável, muito bem, sem a necessidade de laços sociais e afetivos.

Um ser humano, contudo, via de regra, não é capaz de suportar uma vida em completo isolamento. Os seres humanos perecem quando perdem seus laços afetivos. E isso se aplica a muitas espécies que, em termos de consciência e sociabilidade, nos são mais próximas.

Isso quer dizer que temos o direito de matar a maioria dos seres vivos, inclusive das espécies sencientes, para sobreviver ou satisfazer nossas necessidades e desejos.

Mas não podemos torturá-los, prolongar seu sofrimento. Não podemos, por exemplo, matá-los de modo doloroso, ou criá-los em espaços minúsculos, insalubres, em ambientes que no final das contas são torturantes. Isso é impor-lhes uma vida miserável, extremamente sofrida. E esses sofrimentos são todos evitáveis.

É então um imperativo ético que os métodos de criação se tornem menos sofridos e mais próximos do ambiente natural desses animais, e que o abate seja rápido e, na medida do possível, indolor.

É isso. Podemos matar dezenas de bilhões de animais, como já o fazemos todos os anos. Só não podemos torturá-los, que é o que infelizmente ainda ocorre, devido principalmente às formas de criação e abate.

Matar não é necessariamente antiético. É muitas vezes um dever, uma necessidade. Antiético é fazer sofrer, ou permitir o sofrimento, sendo que isso poderia ser evitado.

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