Tuesday, May 26, 2020

Ninguém gosta de poesia

Ninguém gosta de poesia. Fala que gosta, numa noite fria. Mas gosta mesmo é de palavras doces, açúcar, ingrisia.

Ninguém gosta de poesia. Gosta de palavras fáceis e coisa rimada. Musiquinha pra embalar manada.

Ninguém gosta de palavra arrastada. De boi comendo solto num pasto de expressões bizarras, em salada. Pra buscar lá atrás uma conjunção, de pura condensação de beleza. E isso, pro básico da vida, não é nada. É luxo de expressão. Pode ser, na vida do sentimento, um vulcão. Mas pra barriga não é pão. Não é nada.

Sunday, May 17, 2020

O direito de matar

Para quem gosta de comer carne e fica incomodado com a superioridade moral dos veganos, a qual é um fato, a qual realmente existe, posso dizer uma coisa, que talvez tranquilize um pouco essas pessoas: sob determinadas condições não é antiético comer alimentos de origem animal. Sim, você tem o direito moral de matar algumas espécies de animais.

Há seres que sofrem (sencientes) que não têm o direito à vida. E não faz sentido ético que o tenham. Porque não possuem um nível de sociabilidade ou consciência reflexiva que justifique isso. Adaptam-se facilmente à ausência de outros de sua própria espécie, que lhe são próximos, e não têm consciência de que são mortais, por exemplo.

Talvez somente alguns primatas e cetáceos devam ter o direito à vida. Cito esses dois grupos de animais, porque estão entre os mais sociais e conscientes de si mesmos e de sua própria finitude. Quando um indivíduo dessas espécies morre geralmente deixa para trás de si um rastro enorme de memórias e sofrimento naqueles que faziam parte de seus círculos sociais ou afetivos.

O direito à vida não serve para proteger, a posteriori, quem vier a falecer. Porque, em tese, depois da morte não existe sofrimento. Não faz sentido lamentar, para o próprio indivíduo, o que ele seria depois de sua morte. Depois que alguém morre não se perde, para si mesmo, nada.

O direito à vida serve para, antecipadamente, proteger os que ficam, e podem sofrer muito em função da perda de um ente querido. Sem o direito à vida há o risco grande de rompimento do tecido social, de desorganização da vida em sociedade, do surgimento do caos.

O direito à vida, portanto, serve para proteger toda a sociedade. Serve para proteger a sociedade como um todo. Ao proteger a vida de indivíduos, protegemos todos, toda a sociedade.

O direito à vida instaura a estabilidade nas relações entre as pessoas e a paz, inibindo inúmeros tipos de sofrimentos, e permitindo assim um melhor planejamento da vida em sociedade.

A vida humana, e de muitas espécies que nos são próximas, em termos do nível de consciência, depende bastante de laços afetivos e sociais. Um ser humano sozinho é, via de regra, um ser humano morto.

A própria existência de nossa espécie depende disso, da vida social e afetiva. A existência de muitas outras espécies não depende disso. Muitos animais vivem tranquilamente, de modo muito saudável, muito bem, sem a necessidade de laços sociais e afetivos.

Um ser humano, contudo, via de regra, não é capaz de suportar uma vida em completo isolamento. Os seres humanos perecem quando perdem seus laços afetivos. E isso se aplica a muitas espécies que, em termos de consciência e sociabilidade, nos são mais próximas.

Isso quer dizer que temos o direito de matar a maioria dos seres vivos, inclusive das espécies sencientes, para sobreviver ou satisfazer nossas necessidades e desejos.

Mas não podemos torturá-los, prolongar seu sofrimento. Não podemos, por exemplo, matá-los de modo doloroso, ou criá-los em espaços minúsculos, insalubres, em ambientes que no final das contas são torturantes. Isso é impor-lhes uma vida miserável, extremamente sofrida. E esses sofrimentos são todos evitáveis.

É então um imperativo ético que os métodos de criação se tornem menos sofridos e mais próximos do ambiente natural desses animais, e que o abate seja rápido e, na medida do possível, indolor.

É isso. Podemos matar dezenas de bilhões de animais, como já o fazemos todos os anos. Só não podemos torturá-los, que é o que infelizmente ainda ocorre, devido principalmente às formas de criação e abate.

Matar não é necessariamente antiético. É muitas vezes um dever, uma necessidade. Antiético é fazer sofrer, ou permitir o sofrimento, sendo que isso poderia ser evitado.