Sunday, January 02, 2005

PORNOGRAFIA

(Publicado no "Modus Vivendi", em 1999)

Alexandra saboreava a rosca, ou melhor, a bengala. Boca sugadora desentupidora de pinto. Vai e vem, vai e vem, uma massagem, os dentes na pele salivando trilhos, fazendo aragem. Aquilo era uma fruta doce e madura, chupada de nunca matar a fome. A língua lambendo o fogo, a cabeça salivando, deixando Verusa, que observava, contrair a espinha desde o começo dos tempos, lá, no furo de nossa proteção corporal, dando asas para o estremecimento. Sua greta falava de lareira num dia de inverno papainoelzado de chocolate quente e Tv. Pra você vê, quanto pavê... A greta aberta, a linguinha de dragão dizendo vulcão por entre o dedos de Sílvia.
Vai, num gemido vem. Vai, vem. Vai e vem, um trem de luz na boca do túnel gritando um amém. Ohmm.... Som de universo chorando na boca largada de gozo, entortada, o riso, o dorso. Odor de "quero beijo", "quero quindim morrendo na boca", "quero serpente furando com força". A música e o vai e vem. Também um cavalo montando uma louca de urro e berro. Deusa pedindo o espaço sideral dos olhos fincandos no céu, perdidos num ser que lhe entra e sai. Movimento frénetico, gritos tão gratos:
- Yes, yeeeeeessss...
- Sssssssssss...
- Óóóóóóóóó... Óóóóóóóóó...
Música minimal animal pré-tonal, peritonal pelvical anal, um jogo de gozo-fogo tão mau. Afinal, para Alexandra era ali mesmo, diante das câmeras. E Hércules manejava a arma, engatilhando e enfiando a faca: vai e vem. Partida de tênis ad infinitum. Cagada na contramão. Motor do corpo dizendo para a câmera a máquina dos prazeres sem satisfação para a moral da boa vizinhaça. Sem consequências o hábito arbítrio de mostrar-se ponta a ponta, desnudados em pelo. Contorcendo-se, vitrine dos prazeres.
O olho da câmera, somente mais um companheiro, aquele que registra tudo o que vê e conta pra todo mundo, sai para vida dos olhos famintos dos eternos prazeres por procuração. Olhos de olhar o deserto arrumado na casa das fomes de pedir saladas de peles retorcidas nos lençóis da esperança prometida num instinto esquecido. Sonhos de escalar corpos, vidas de sodomizar vultos, sombras de falos falantes, cavidades obscuras de cheiros e harmonias de tempestivas mucosas flamejantes, cuspidoras de beijos e melodias peristálticas. Tradições ejaculatórias da divina vulva eternizada no arcabouço das ereções indubitáveis do jorrar vulcão das vermelhas entranhas que explodem por entre as pernas escancaradas da memória do primeiro dia de vida. Volta-vira-mundo de retorno ao voltar de sempre querer estar dentro de uma mulher. O vai e volta, um entra e sai, goza e cai, mata e vai, é mãe, é filha, é pai. Os olhos nossos de cada dia afogados no inferno de belezas mecanizadas na estripulia mistura de orgãos que se entresaem e pedaços de pessoas estraçalhadas pelo olhar consumante-consumidor, filho do próprio olhar basculatório-total da TV que vê tudo e traz para que a gente também veja. Mandamentos insones de ver-comer, engolir a fagulha dos corpos e almas ausentes dessa casca mal vestida de trajarmos todos os sóis pra depois engolir lua cheia, virar zangão, alucinar sereias, borbulhar sabão e... morrer na areia:
- Óóóóóóóóó... Óóóóóóóóó...
- Yes, yeeeeeessss...

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