Monday, November 04, 2024

Psiquiatrização da psicologia

Tenho testemunhado muitos psicólogos cometendo um erro lamentável, que joga fora a psicologia, o que é específico da psicologia, em prol da psiquiatria, e que é um efeito ruim da psiquiatrização da vida.

Dou um exemplo. Um estagiário de psicologia queria conversar com o pai de uma paciente, para explicar a ele que sua filha estava com uma “doença real”, porque ele não validava, não reconhecia e compreendia o que ela sentia. Ela queria dar uma aula para ele sobre depressão. 

Confesso que não gostei da ideia. Achei equivocada e algo que supervaloriza o instrumental da psiquiatria em detrimento do que a psicologia pode e deve oferecer. Porque não faz o menor sentido chamar um pai, que não conhecemos, que ainda não foi ouvido, para lhe dar uma espécie de aula sobre o que é depressão e como ele deveria começar a tratar sua filha, que supostamente padece de tal condição. 

Isso não tem nada a ver com psicologia. Porque é sumariamente prescritivo e unicamente focado em uma classificação diagnóstica médica. É adotar muito rapidamente um jargão psiquiátrico, médico, em detrimento de tudo aquilo que um psicólogo de boa formação ralou muito para aprender durante toda a sua formação. É pegar a psicologia e jogar no lixo. É demonstrar que não se aprendeu o fundamental durante a formação em psicologia. É participar de um jogo que goza com algum fetiche sobre classificações psiquiátricas, que pode até cair bem no gosto popular, mas tem muito pouco a se oferecer como um instrumento ou técnica consistente da psicologia.

Não, não tem que chamar familiar, que ainda não se conhece, para explicar para ele o que é a depressão. Pode-se chamar o pai primeiramente para ouvi-lo e conhecê-lo, para observar a interação entre pai e filha, para tentar, juntamente com eles, construir caminhos que possam ajudar a melhorar seu relacionamento. Para investigar melhor o que está acontecendo nesta interação, sem se apressar em ter logo na manga o nome do suposto transtorno mental em questão.

Psicologia que fica na barra da saia da medicina é uma psicologia que não sabe de si, de suas especificidades, de seu poder e limites, e assim se perde na marola de alguns saberes ou classificações médicas. É uma psicologia que se exclui do debate, porque submerge ao saber médico, como se este lhe servisse de referência. E isso não tem relação com a realidade. É somente uma prática triste e desinformada, que desqualifica a si mesma pelo fetiche das classificações psiquiátricas. É desolador ver psicólogos(as) fazendo isso.