Tuesday, November 08, 2016

Olho azul

Duas crianças aqui no condomínio onde moro fizeram comentários engraçados (ou até um pouco tristes, talvez) sobre a cor dos olhos de minha filha:

- Eu tenho inveja dela - disse um menino de 8 anos de idade.
- Nossa, por quê?

- Porque ela tem o olho azul. Tomara que mude...

- Eu queria ser ela - disse o outro, de 6 anos de idade.

- Como assim? Por que você queria ser ela?

- Ah, eu queria ter o olho azul. Eu nunca tive olho azul...

Maiêutica com crianças

A maiêutica é uma técnica fecunda, poderosa para a produção de conhecimento, e também muito divertida. Isso é facilmente observável na interação com crianças.

Ontem eu estava no parquinho do condomínio, com minha filha, e três crianças dialogavam como se fossem adultas: duas com 6 anos e outra com 9 anos de idade.

- Passou agora no Jornal Nacional: o Estado Islâmico invadiu duas cidades - dizia o menino de 6 anos.

- E quais cidades o Estado Islâmico invadiu? - perguntei.

- Invadiu duas cidades dos Estados Unidos.

- O que é o Estado Islâmico?

- Eles são terroristas!

- O que é terrorista?

- É gente que mata as pessoas.

Como fiz muitas, e outras perguntas além dessas poucas que transcrevo aqui, como se eu não soubesse absolutamente nada a respeito do que eles estavam conversando, o de 9 anos me indagou:

- Poxa, tio! Você não sabe nada!

Jogou um chinelo no chão e me perguntou o que era aquilo, e eu prontamente respondi que era um chinelo:

- Pô, pelo menos isso você sabe né, tio... Pelo amor de Deus!

- E por que o nome é Estado Islâmico? Se eles são terroristas e matam pessoas, o nome teria que ser Estado Matador, não?

Ficaram um tempo meio atônitos, sem conseguir me responder. O mais velho continuava intrigado com minha aparente ignorância:

- Poxa, tio, você faz cada pergunta...

Até que o menino de 6 anos teve um brilhante insight:


- É islâminico, tio, por causa de lâmina. Eles cortam as pessoas!

Wednesday, November 02, 2016

"Tá podre" (uma história do livro "Eu vou hipnotizar você...")

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Certa vez, em sala de aula, expondo os motivos pelos quais Freud havia abandonado a técnica da hipnose, dispus-me a fazer uma demonstração. Até aquele dia eu havia tentado inúmeras vezes, por anos a fio, mas sem sucesso. Disse aos alunos que era uma técnica muito cansativa e que era muito difícil hipnotizar as pessoas, que a maioria não era hipnotizável. Ou seja, eu estava não somente falando de minha experiência, mas também do que Freud havia relatado há cerca de um século atrás e dos dados científicos consolidados sobre suscetibilidade hipnótica. 

Eu havia aprendido os fundamentos com meu irmão mais velho, o dentista. E tentara, assim como ele, em vão, hipnotizar amigos e familiares. Não tínhamos qualquer reflexão ou concepção teórica sobre o assunto. Como ele havia sido uma excelente cobaia em meio aos dentistas com os quais fizera o curso de hipnose, alimentávamos a expectativa de que poderíamos obter os mesmos resultados com qualquer outra pessoa. Ele havia sido um excelente sujeito para a demonstração de anestesia hipnótica. Seu professor e colegas espetaram agulhas por todo o seu corpo. E esta é geralmente uma espécie de demonstração derradeira, a mais convincente. Uma coisa é fingir alucinações e delírios, outra, bem mais difícil, é a capacidade de continuar fingindo, mesmo diante de estímulos dolorosos. 

Havia, para nós, alguma realidade na hipnose. Porque, senão, Edu, bom cético que era, teria sido o primeiro a rejeitá-la. E pelo contrário, lá estava Edu sendo trespassado por agulhas em diversas partes de seu corpo. Dando seu valioso testemunho, prático e vivo, de algo fenomenal. 

Porém, saindo da dimensão de excelente sujeito para a hipnose que era Edu, a coisa ficava bem menos convincente. Era tentar hipnotizar, a quem quer que seja, e os resultados eram sempre bem mais modestos e frustrantes. Nesse aspecto, pelo menos, o determinante mais evidente não é técnica de indução hipnótica, mas sim o próprio sujeito que a ela se submete. Dispondo de sujeitos facilmente hipnotizáveis, basta pedir que se concentrem e todo o processo assim se desenrola. 

Mas, e se estes sujeitos, tidos como facilmente hipnotizáveis, não tiverem tido qualquer espécie de treinamento hipnótico? Iogues, por exemplo? O que dizer deles? Possuem outros métodos de concentração, os quais podem não ser exatamente os mesmos que nós ocidentais chamamos de hipnose. Ou poderiam ser vistos como fundamentalmente os mesmos? Se forem os mesmos, a hipnose não é a única via para se obter determinados estados de consciência. Neste caso, ela perde sua aura de técnica única, exclusiva, especial. Por outro lado, se os fundamentos forem os mesmos; ou seja, se tanto hipnose quanto ioga, por exemplo, possuírem os mesmos fundamentos técnicos, ela (a hipnose) não representa nada de novo e nem de especial também. 

Se é diferente, mas obtém os mesmos resultados que outra coisa já existente, porém mais simples e acessível, por que seria mais vantajosa? E se compartilha dos mesmos fundamentos técnicos, por que tratá-la como absurdamente diferente? Qual é a função de se fazer a mesma coisa que os outros e, contudo, dar um nome diferente? Sim, não podemos esquecer que existem histórias diferentes. Ioga e hipnose nascem em contextos totalmente diferentes e suas especificidades devem ser resguardadas. Porém, por outro lado, perceber semelhanças em seus fundamentos técnicos pode também, por meios comparativos, ajudar a compreender melhor estas práticas. 

Porém, não há como negar, tanto hipnose quanto ioga são muito mistificadas. A ioga está tradicionalmente mais próxima de práticas religiosas. A hipnose, por outro lado, volta e meia aparece e reaparece reproduzindo mitos dentro até mesmo do próprio universo científico. Chega com pose de ciência e quebra as pernas de muitos pesquisadores, expondo feridas metodológicas e confusões conceituais. 

O hipnotista ordena e o hipnotizado realiza o que é ordenado. Esta talvez seja ainda uma boa definição: pertinente, objetiva e simples. Ainda não é possível dizer exatamente o que se passa na cabeça dos hipnotizados. Se estão somente colaborando ou se há mesmo significativas alterações de consciência. Há teorias e evidências em ambas as direções. Ainda não há consenso científico. 

Por que Freud abandonou a hipnose? Este era o tema da aula que comecei a relatar no início. Vamos então aos motivos de Freud: 

1. A hipnose não mais servia aos seus objetivos específicos. Sua intenção era recuperar memórias esquecidas, recalcadas. Percebeu que a hipnose deixava os pacientes em um estado muito primário de funcionamento mental. Fantasias eram produzidas em profusão, o que facilitava a produção de falsas memórias. 

2. A hipnose tinha se transformado para Freud em uma técnica muito cansativa. Não tinha mais paciência para ficar repetindo comandos indefinidamente, com o objetivo de fazer com que adultos “dormissem”. Tinha dificuldade em hipnotizar todos os pacientes, além de não concebê-la como uma ferramenta eficaz em termos etiológicos. Ou seja, além de não servir ao seu propósito principal (a recuperação de memórias), era também enfadonha. 

Sua dificuldade em hipnotizar todos os pacientes é atestada pelas pesquisas de suscetibilidade hipnótica. Somente cerca de 15% das pessoas são facilmente hipnotizáveis. Para o restante, a maioria, é necessário mesmo uma certa dose de paciência. 

Minhas idéias sobre a hipnose, até aquele dia, naquela aula sobre a relação de Freud com esta técnica, era totalmente endossada pelos argumentos do pai da Psicanálise. 

“Mas, a hipnose, professor? Existe mesmo?”, perguntavam alguns alunos, mortos de curiosidade. 

“Vocês querem fazer um teste? Podemos realizar um teste. Quem se dispõe a ser sujeito de alguns testes?”, indaguei. 

Um aluno levantou a mão. Era um rapaz muito jovem. Tinha menos de 20 anos de idade. Cursava o terceiro semestre e sempre aparecia com perguntas ora muito suaves ora constrangedoras, muitas vezes ingênuas e até pueris. 

Fiz tudo o que recomendam os mestres e manuais da área, com paciência e perseverança. Em um determinando momento, depois de muito relaxamento, pedi para que ele me dissesse o que estava vendo. Disse que não via nada, que estava escuro. 

“Então acenda a luz”, sugeri, buscando estimular sua imaginação. 

“Acendeu” e começou a descrever onde estava. Estava em casa, lendo. Pedi para que me descrevesse tudo o que estava fazendo e onde estava. 

Passado um certo tempo, resolvi fazer alguns testes, sugerir algumas imagens e sensações. Em um determinado momento peguei um estojo de lápis, feito de borracha, e ordenei que o comesse, pois era uma maçã. O rapaz morde o estojo e o arremessa ao chão. Pensei: falhou novamente! Ele obviamente percebeu que não é uma maçã. Eu sabia! Eu e Freud, juntos, não poderíamos estar duplamente enganados. 

“O que houve?” 

“Tá podre!”, respondeu. 

Sim, para meu espanto e de todos os presentes, ele se comportava tipicamente como alguém hipnotizado. 

Quem observava, como costuma ocorrer neste tipo de situação, ficou perplexo. A partir deste momento, o entendimento do que pode ou não estar ocorrendo geralmente fica comprometido. Os eventos podem se suceder de modo inusitado. Algumas pessoas parecem perder o controle. Podem falar ou agir de modo bizarro. E é exatamente isso o que acho de interessante nas induções hipnóticas. 

“Quanto mais bizarra é uma experiência, mais proveitosa ela é”. Conheço esta frase, deste modo, há muito pouco tempo. Mas manifestações bizarras sempre me despertaram grande interesse. O diferente, o inusitado, abrem novas perspectivas. São rupturas de padrão, fluidez. Abrir-se para o que é estranho é parte importante de um processo de exploração que se expõe a novos horizontes, mesmo que ainda não dotados de sentido. 

Um colega meu dizia assim: “o ridículo move o mundo”. E sempre compreendi da seguinte maneira: agir sem medo de errar, de ser diferente. Assumir nossos próprios defeitos e deles tirar algum proveito. Daí meu apreço pelas formas inusitadas, pelo nonsense, pelo bizarro. Novas formas de expressão e, portanto, de compreensão também. Novas alternativas, brotadas da loucura. 

Dou valor ao insólito, ao bizarro, na proporção de uma crença que carrego há um certo tempo: a crença no poder da expressividade. As psicoterapias, de modo geral, e as artes, como um todo, possuem esta crença: expressar e, brincar, curam. A expressão é curativa. E o que seria expressar bem? Não seria esta a principal tarefa das artes, expressar melhor? Ou de formas alternativas, que possam abrir novos horizontes de compreensão e, portanto, de solução para uma infinidade de dilemas humanos? 

Vejo a hipnose como um tremendo recurso expressivo. Acerca disto, para mim, não há qualquer questão. Muito freqüentemente expressões inusitadas ou mais intensas são despertadas. Possui um significativo valor catártico. E a catarse, a purgação dos afetos, a qual é popularmente conhecida como desabafo, desempenha um papel muito importante na psicoterapia. Sem desabafo não há terapia. E as artes estão todas aí para nos ensinar a expressar melhor o que sentimos e ainda não sabemos colocar em palavras. E esta expressão pode se dar das mais variadas formas. 

Acredito nisto. Tenho um percurso em Psicanálise. A influência que ela absorveu do Romantismo diz o seguinte: a loucura, enquanto método, enquanto caminho, pode ser de grande valia. E o que é sua regra principal, a da associação-livre? Dizer tudo o que ocorre à mente, sem restrições, nem ponderações, do modo mais imediato e espontâneo possível. Isto tem nome: loucura, como método, como meio. Jamais pode ser feito fora de seu ambiente propício, onde o inusitado e o censurável não sejam acolhidos. A associação-livre é um legado romântico que Freud aproveita a favor de seus objetivos psicanalíticos. A loucura como meio (associação-livre), a razão e a saúde como fim. 

A paranóia freudiana de que nada é por acaso ou de que tudo, em termos inconscientes, tem um sentido, exige a loucura como um meio: deixar o inconsciente fluir. Permitir um pouco de loucura. Ela é o caminho para uma razão libertadora. Para saber melhor o que sentimos, ou o que nos move, é preciso soltar um pouco os bichos. É preciso viver, envolver-se, atuar, relacionar-se. Ou permitir, em sessão, que isto de alguma forma se manifeste. 

Naquele dia havia um funcionário da universidade a observar pelo vidro da porta tudo o que ali se passava. Comentava com algumas alunas que não acreditava em nada do que estava acontecendo, que tudo não passava de encenação. Terminei a sessão com o aluno e este funcionário adentrou a sala, dizendo que também queria ser submetido à hipnose. “Temos pouco tempo, somente cerca de quinze minutos. Mas podemos tentar...”, respondi. Ele topou. Pensei: vou pedir para que se recline na cadeira, para que fique na posição mais confortável possível, que procure dormir. Afinal estávamos praticamente no horário de almoço, um horário muito propício ao sono. 

Em um mesmo dia, duas situações novas e diferentes. Primeiro um diz que “tá podre” ao morder um estojo de borracha. E logo em seguida adentra a sala alguém que duvidava daquilo tudo, em tom desafiador. O que eu, por sorte, nem havia percebido. Senão nem tentaria nada, pois eu não tinha objetivo nenhum de provar nada, nem de defender a hipnose como uma técnica eficaz ou legítima. 

A sessão prosseguiu. E lembro, com ele, de ter feito algo parecido: pedi para que comesse um estojo ou coisa semelhante, dizendo que era um barra de chocolate. Ele fez tudo o que pedi. Mas não tive muita confirmação se somente obedecia ou se estava em um estado alterado de consciência. 

Quando terminamos, ele disse que havia sido uma experiência fascinante. Não tivemos tempo para conversar mais nada. Era o fim da aula. Fomos todos embora. Dias depois, uma aluna veio me contar que ao perguntar a ele, nos corredores, como fora a experiência, ele descreveu a ela que havia comido, durante a sessão, uma barra de chocolate. 

“Não. Ele te deu um estojo. Você ficou mordendo um estojo”, respondeu ela. 

“Que isso? Você tá louca. Não paguei esse mico não. Lembro bem, era uma barra de chocolate.” 

Ele tinha a firme convicção de que havia comido chocolate e não estojo. A aluna relatou isso em sala. Os alunos ficaram muito impressionados. E eu continuei sem entender nada. 

Que mecanismo é este? Duvidar, desafiar e em seguida dobrar-se ao espetáculo, à influência de outra pessoa? O que fez com que perdesse sua capacidade de oposição, de ver com os próprios olhos? De sentir por si próprio? Sentiu o que lhe foi ordenado (ou sugerido) sentir. Isto é de fato possível? Foi “hipnotizado” por mim. 

Ser hipnotizado, segundo algumas teorias que já li a respeito, pode tanto ser fruto de uma sedução quanto de uma opressão, de um medo. Tanto sedução quanto medo são hipnotizantes. Faz o sujeito agir e perceber como queremos. E no caso deste funcionário, o que aconteceu? O que foi determinante para que ele fosse dominado do modo como foi? A pressão do grupo? : “Colabore conosco. Veja e sinta o que estamos todos ordenando. Senão você será linchado”. Seria esta a mensagem implícita, inconsciente? Ou seria a imagem que ele tinha de mim, o efeito da pré-sugestão, da expectativa de que o hipnotista é infalível? 

A pré-sugestão, não podemos nos esquecer de seu poder, ela sim é infalível. Penso que muitos hipnotistas se iludem, ao pensar que possuem uma técnica infalível. Pré-sugestão é fundamental. Ela pode ser definida como todo o conjunto de sugestões que bombardeam o sujeito antes de qualquer procedimento. Está mais do que evidenciada, seja por pesquisa sistemática, seja de modo informal. Quanto maior a expectativa depositada no hipnotista de que ele possui uma técnica eficaz, fulminante e especial, maior a pré-sugestão. Assim, mais da metade do trabalho já está realizado. Muitos hipnotistas já fizeram este teste.

Anunciam ao público a apresentação de um “grande” mestre da arte da hipnose. E basta o sujeito a ser hipnotizado depositar bastante autoridade na figura do hipnotista, que este se transforma num grande mestre, independente de quem seja. Se o público acreditar não importa nem mesmo se há experiência na área ou não. Pensam, e dizem: é um grande hipnotista que veio da Europa, dos Estados Unidos, professor e um dos maiores conhecedores do assunto, e com certeza isto já desempenha um papel absurdo na indução. 

Basta pegar alguém que possua pelo menos a aparência de ser um grande hipnotista. Pode ser simplesmente um leigo. É muito interessante. Isto com certeza demonstra que a técnica não é o mais importante. É mais relevante o valor que as pessoas depositam no sujeito. Acreditar e confiar constitui a maior parte do processo. Autoridade vale mais do que técnica, habilidade ou conhecimento. E esta autoridade, mesmo que falsa, pode funcionar muito bem. 

Daí o fato de ser geralmente tão difícil desvincular a hipnose do ilusionismo, da enganação. Há profissionais que se apoiam totalmente nesse aspecto. Vivem praticamente da imagem de competência que nutrem diante de seu público ou clientes. Universo, muito geralmente, em que o parecer vale bem mais do que o ser competente. É o efeito placebo alçado à sua dimensão talvez mais elevada. 

Dias depois, eu uma outra professora, reparamos que aquele funcionário, tido por muitos como arrogante, era agora bem simpático e receptivo para com minha pessoa. 

“Ué, Adriano? Esse funcionário não é simpático assim com ninguém...”, indagou ela, um pouco espantada. 

“É verdade. Acho que foi a hipnose. É assim mesmo, depois que a gente hipnotiza, a pessoa fica apaixonada.”

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