Sunday, June 07, 2009

Religião e delírio

Algumas publicações recentes, como o livroDeus: um delírio”, de Richard Dawkins, reacenderam o debate sobre o papel e a natureza das religiões. A palavra delírio, veja bem, está no título da obra de Dawkins.

Freud, por sua vez, em sua obra “O mal-estar na civilização”, de 1930 enuncia que a religião é um delírio de massas. Ou seja, tentando deixar ainda mais claro o que ele disse, dá para concluir o seguinte: Loucura que se enlouquece sozinho é somente loucura. Loucura que se enlouquece junto é... religião.

É também muito curiosa a passagem em que perguntam a Bertrand Russell, bem velhinho, sobre o que diria se, após sua morte, desse de cara com São Pedro ou qualquer coisa que simbolizasse a existência de Deus ou da alma eterna. Ele responde que diria assim: “Vocês não nos deram provas suficientes!”.

O tolo não sabe o que diz e o sábio não diz o que sabe?

De fato, a primeira parte do provérbio, sobre o tolo, tem muito sentido. Ser tolo, em boa medida, é dizer ou pensar coisas que não possuem correspondentes na realidade. Ou seja, o tolo simplesmente não sabe o que as coisas são. Logo, em resumo, não sabe o que diz. Não possui noção das conseqüências e sentidos possíveis do seu dizer.

Agora, o sábio não dizer o que sabe o caracteriza somente como um sabedor egoísta do que quer que seja. Mesquinhez do sábio e papo-furado dos tolos.

Mas pode, claro, haver também outros sentidos. O de que seria mais sábio, por exemplo, a demonstração do que é mais próprio ou correto por meio de ações do que por meio de palavras. A idéia de que ações valeriam mais do que palavras: uma pedagogia da ação, do exemplo. Ou o velho sentido de que o silêncio é ouro, enquanto a palavra é prata. Ou também, talvez, a sábia percepção de que nem todo mundo é merecedor da verdade. Com canalhas, com quem joga somente no campo da mentira, o silêncio costuma ser sinal de sensatez ou prudência.

Quem não deve não teme?

Essa usam demais pra jogar na cara. Quando o caso é de ciúme, então, nem se fala. Gente ciumenta e paranóica adora esse proverbiozinho chinfrim. Ficam espionando a vida do outro, vendo má intenção em tudo e logo disparam essa pérola.

contudo o temor de quem não deve nada ou muito pouco. O tipo obsessivo, porexemplo, não deve nada e teme tudo. Enquanto o psicopata deve tudo e não teme nada.

Sentir-se em dívida é coisa de gente honesta.

Saturday, June 06, 2009

“Homossexualidade é opção?”

Esta é uma pergunta muito comum, do senso comum (por isso a coloquei entre aspas), emrelação à homossexualidade. Em muitos casos, infelizmente, há pessoas que chegam a afirmarisso de modo categórico.

A homossexualidade é um fetiche da curiosidade de nossa sociedade que praticamente criminaliza esse tipo de orientação. E se a homossexualidade é fetichizada, a homossexualidade masculina o é ao quadrado. E ao verbo “fetichizar” atribuo o sentido de darum valor excessivo ao que quer que seja. Se fetichiza é porque ressalta demais, valoriza demais. É atenção, curiosidade e xeretice demais em relação ao tema.

As pessoas querem logo a resposta, querem logo saber a causacomo se tudo necessariamente pudesse ser explicado ou determinado por uma única causa. Se nasce assim ou se aprendeu; se é uma condição ou uma escolha.

Mas Freud logo adverte: se a homossexualidade é representada como um mistério, issotambém deveria caber à heterossexualidade. Para ele há de se perguntar pela gênese tanto de uma quanto de outra. Pois para a psicanálise todos nascemos, vamos assim dizer, “bissexuais”. A orientação originária é a bissexualidade. A monossexualidade, seja ela hetero ou homo, com o decorrer do desenvolvimento. Neste sentido, psicanalítico, nascemos bissexuais e aprendemos a ser hetero ou homo. se dá

E o termo aprendizagem, para o senso comum, também adquire alguns sentidos que não os adotados pela Psicologia. Basta dizer que é aprendido, para alguém logo pensarque deve haver alguém, alguma pessoa que ensina. Para não me estendermuito sobre isso, resumo: aprendemos o tempo todo, e o mundo (incluído o mundo das coisas) equivocadamente ensina.

Mas ouço muito, da boca de muitas pessoas, inclusive e infelizmente, penso eu, de algunsalunos: “homossexualidade é opção”. ouvi até mesmo gays dizendo isso. Penso da seguinteforma: é uma frase muito genérica e vaga para uma questão tão complexa. É tão vaga queadquirir diversos sentidos. pode

Uma vez vi na televisão um gay dizendo isso: “é uma opção, sabe”. Ele se sentia como umpaladino da liberdade ao dizer isso. Dizia com gosto, com orgulho que era uma escolha, uma opção.

também, e com muito mais freqüência, pessoas conservadoras e machistas que dizem isso. E o sentido subjacente costuma ser: “se escolheu isso, poderia ter escolhido o contrário; sofre preconceito porque quer; seja homem!”. Ou então: sendo opção, logo é safadeza, moda oufalta do que fazer.

E a grande questão é: então o homossexual escolhe isso, ser uma espécie de pária da sociedade? Alguém escolhe isso para sua vida: ser discriminado, diminuído, excluído, maltratado e humilhado? Sim, pois é exatamente assim que os homossexuais são tratados. Se a homossexualidade é uma opção, então completemos a frase: é opção e masoquismo. Poissomente alguém que tem prazer em sofrer é que poderia escolher esta opção.

E mesmos os masoquistas, fique bem claro, nunca o são de modo genérico. Não existe esta história de simplesmente gostar de sofrer. Ninguém é masoquista pra tudo. Pois o masoquismo, em termos comportamentais, muitas vezes nada mais é que efeito da associaçãoentre dois estímulos: um prazeroso e outro doloroso. Masoquistas costumam ter prazer comcoisas muito específicas, as quais são exatamente aquelas que foram associadas com alguma forma de prazer muito significativa vivenciada.

Se a orientação sexual é uma opção, logo as possibilidades são as mesmas para todo mundo. Logo, somos todos, como pretendia Freud, originariamente bissexuais. Eis o paradoxo do senso comum: enuncia uma regra que, por implicação lógica, estabelece a bissexualidade como universal, coisa que o próprio senso comum rejeita.

Se a orientação sexual é uma opção, logo existe escolha consciente. E pode se dizer que se trata de algo mais ou menos parecido com, por exemplo, o ato de votar: você vai e marcaum x. Portanto, chegam a ser ridículas as implicações lógicas que tal bobagem produz.

Porém, continuemos, até o absurdo. Sim, pois todo equívoco desemboca no absurdo.

Primeiro as definições:

1. Homossexualidade é a predominância de atração sexual por pessoas do mesmo sexo.

2. Heterossexualidade é a predominância de atração sexual por pessoas do sexo oposto.

3. Bissexualidade é a atração sexual por pessoas de ambos os sexos, sem a predominânciasignificativa de qualquer orientação.

Se a orientação sexual é uma opção, logo as pessoas escolhem gostar disso ou daquilo, quererisso ou aquilo. E quem é que tem esse poder: escolher do que vai ou não gostar, querer?

Se a orientação sexual é opção, logoconflito entre alternativas. Senão não haveria opção alguma. Enfim, resumindo: mais uma peça para a coleção gigantesca de besteiras do senso comum.